A importância da alimentação durante os tratamentos oncológicos
- António Cordeiro

- 19 de set. de 2024
- 7 min de leitura
No momento em que se diagnostica um cancro, parece que o mundo vai cair, e é um “turbilhão” de pensamentos, emoções e sentimentos que surgem à nossa volta. Apesar deste cenário, existem tratamentos e comportamentos de estilo de vida, que contribuem muito para o sucesso do resultado final neste contexto clínico. A ciência tem evoluído a uma velocidade grande, e ainda bem.
Nesse sentido, a alimentação e o estilo de vida (a atividade física, o stress, o sono e parte espiritual) são elementos essenciais a ter em conta, e por si só, a alimentação e a nutrição são aliadas cruciais no sucesso do seu tratamento. Ou seja, um corpo bem alimentado, com a energia, os nutrientes e reservas necessárias, é fundamental para manter as células saudáveis, a funcionar eficazmente, e a robustez exigida para ultrapassar com menor dificuldade os tratamentos.
Por outro lado, sabe-se que a alimentação ajuda na gestão dos sintomas associados aos tratamentos, e em particular, a dieta mediterrânea pode aumentar as hipóteses de sobrevivência, por conter alimentos ricos em nutrientes e fitoquímicos (1,2,3,4,5,6).
A dieta mediterrânea é das dietas mais estudadas a nível mundial, tanto no contexto da promoção da saúde, como no contexto do tratamento da doença oncológica. Além disso, é apontada como um padrão alimentar extramente saudável, apesar das necessidades nutricionais específicas de cada pessoa, que devem estar presentes e estas necessidades dependem também da gravidade da doença. Este padrão alimentar deve ser considerado a base da alimentação, porque é composta por uma série de alimentos que interferem numa série de processos associados, não só no desenvolvimento, mas também na progressão da doença.
Um estudo publicado em 2019, realizado por uma equipa de investigadores, liderada pelo investigador Karavasiloglou, concluiu que um padrão alimentar nutricionalmente equilibrado pode reduzir o risco de morte após o diagnóstico de cancro da mama e de cancro ginecológico. Esta equipa de investigação acredita que a dieta mediterrânea cumpre os requisitos para constituir um aliado num melhor prognóstico após o diagnóstico da doença (1).
No cancro do colon e do reto, os estudos têm sido consistentes no sentido de que o consumo reduzido de frutas e vegetais e de que um consumo elevado e persistente de carne vermelha e processada, cereais refinados, doces e sobremesas, estão associados a uma pior sobrevivência após o diagnóstico (7,8).
Pelo contrário, a ingestão de peixe gordo, rico em “ómega 3”, tem sido associado a um melhor prognóstico, bem como a ingestão de cereais integrais (9) e frutas oleaginosas (2). De acordo com os resultados apresentados, a dieta mediterrânea é uma ótima opção alimentar na melhoria da sobrevivência após o diagnóstico de cancro e no sentido de evitar o reaparecimento da doença (2).
Outro trabalho realizado envolveu 1.4 mil pessoas, identificou que a maior adesão dieta mediterrânea reduzia, efetivamente em cerca de 52% o risco de morte por este tipo de cancro (colon e do reto), num período de 6 anos (3).
Num outro estudo, que envolveu 4500 homens com cancro na próstata, verificou-se que na adesão à dieta mediterrânea está associada a redução do número de mortes deste tipo de cancros, em cerca de 22%, ou seja, uma em cada cinco pessoas parecem ficar mais protegidas (10). No seguimento da dieta mediterrânea, o reforço do azeite, fruto oleaginosos (frutos secos) e peixe gordo, pode constituir uma ótima estratégia, para evitar ou tratar o estado de malnutrição após o diagnóstico. Este deve ser ainda privilegiado o consumo de muitos alimentos com propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias, como vegetais e frutas de diferentes cores, que têm um papel muito importante durante os tratamentos oncológicos e ajudam a minimizar os efeitos secundários dos tratamentos e promover uma melhor recuperação (2,4).
Um estudo que envolveu quase 1.8 milhões de pessoas, concluiu que uma boa adesão à dieta mediterrânea, está associado a uma redução de mortalidade de mais de dez tipos de cancro (11).
Pelo lado do consumo excessivo de gordura saturada em substituição das gorduras insaturadas, o contrário do padrão alimentar mediterrâneo, pode aumentar o risco de morte por cancro da mama (41% de aumento do risco) (4), e de cancro da próstata (30% de aumento do risco) (5,12). A consequência da ingestão de gordura saturada leva que haja uma alteração da parte metabólica das hormonas femininas e masculinas, podendo induzir o crescimento das células cancerígenas em certos tipos de tumores, e que promovem a inflamação, o que por si só aumenta muito o risco de poder desenvolver alguns tipos de doença oncológica (2,13).
A importância do estado nutricional na doença oncológica
A ciência diz-nos que quando existe um diagnóstico de doença oncológica, as necessidades nutricionais e energéticas aumentam, por isso, mesmo antes do diagnóstico desta doença, o nosso corpo já se encontra em carência de energia e nutrientes. Por esta razão, um dos primeiros sintomas associados ao diagnóstico é uma perda de peso involuntária e inexplicável.
O que justifica isto acontecer relaciona-se um aumento do gasto de energia em repouso, ou seja, a energia necessária para manter os órgãos as funcionar (coração, pulmões, cérebro, intestino, etc.) acaba por ser maior. Neste contexto, como referido anteriormente, os déficits nutricionais e energéticos existem, por isso, quando há um déficit ou um excesso de nutrientes e outras substâncias alimentares, podemos desenvolver um mau estado nutricional (malnutrição), que fragiliza o corpo e pode comprometer uma série de funções essenciais à vida (14). Isto é particularmente importante quando estamos na “luta” de ultrapassar um cancro e as variadas etapas de tratamento, porque os tratamentos são agressivos, têm efeitos secundários (ex: cansaço, perda de apetite, náuseas, vómitos, obstipação, perda de massa muscular, entre outros.) e impacto no estado nutricional.
Com o desenvolvimento da doença e dos tratamentos ao longo do tempo, existe por vezes infeção, inflamação, associada a uma redução do apetite e de uma menor ingestão energética e nutricional, devido ao referido anteriormente. E o facto de gastar mais energia, o corpo como resposta, tende a ir buscar energia ao tecido adiposo (gordura) e tecido muscular (proteína). Naturalmente, como consequência, poderá haver perda de massa muscular, que por sai vez, irá afetar em muito a capacidade física e a robustez do corpo (15), contribuindo para a degradação do estado nutricional.
A perda de massa muscular durante os tratamentos, tem inúmeras consequências ao nível do sucesso dos tratamentos, dos efeitos secundários, da qualidade de vida e mesmo da sobrevivência (16,17,18). Por isso, é muito importante ir avaliando a massa muscular, para além do peso corporal.
Sabe-se também que a desvalorização dos vários “alertas” relativos ao estado nutricional pode ser alarmante, dado que a malnutrição tem impacto decisivo no prognóstico, podendo prejudicar o sucesso dos tratamentos (16).
No entanto, será mais fácil prevenir ou tratar numa fase inicial a malnutrição do que quando já existe uma perda de peso considerável. Assim que detetar uma perda de peso ou de apetite ou, mesmo que seja pouco significativa, deve procurar a ajuda de uma profissional da nutrição para ter apoio nutricional (19).
Os dados atuais mostram que a malnutrição é frequente nos doentes oncológicos, afetando 20 a 70% das pessoas que sofrem desta doença (16).
As consequências associadas à malnutrição com maior impacto na recuperação e na sobrevivência à doença oncológica são (16):
-Aumento do risco de mortalidade;
-Stress psicológico;
-Redução do peso e da massa muscular;
-Aumento da toxicidade dos tratamentos e, por isso, mais efeitos secundários;
-Redução da qualidade de vida, associada à perda da capacidade física, aumento dos efeitos adversos do tratamento, dor, depressão e fadiga;
-Diminuição da competência do sistema imunitário e aumento do número de infeções, por fragilização do organismo.
Conclusão, o apoio nutricional é muito importante ao longo do todo processo de tratamento, principalmente numa fase inicial, por todos os motivos referidos anteriormente. Por outro lado, o exercício físico, também desempenha um papel decisivo para preservar o músculo ou no ganho de massa muscular, dado os ótimos benefícios a vários níveis neste contexto.
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Para quem precisar de apoio nutricional personalizado, pode contactar o Nutricionista António Cordeiro (CP: 0728N) através do email: anto_cordeiro@sapo.pt.

Bibliografia consultada:
1-Karavasiloglou, N., Pestoni, G., Faeh, D., e Rohrmann, S. Post-Diagnostic Diet Quality and Mortality in Females with Self-Reported History of Breast or Gynecological Cancers: Results from Third National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES III). Nutrients 11, 2558 (2019).
2-Rinninella,E. et all. The Facts about Food after Cancer Diagnosis: A Systematic Review of Prospective Cohort Studies. Nutrients 12,2345 (2020).
3- Ratjen, l. et al. Postdiagnostic Mediterranean and Healthy Nordic Dietary Patterns Are Inversely Associated With All-Cause Mortality in Long Term Colorectal Cancer Survivors. J. Nutr. 147, 636-644 (2017).
4-Beasley, J.M. et al. Post-diagnosis dietary factos and survival after invasive breast cancer. Breast Cancer Res. Treat.128, 228-236 (2011).
5-Van Blarigan, E.L. et al. Fat intake after prostate cancer diagnosis and mortality in the Pysicians Health Study. Cancer Causes Control CCC26, 1117-1126 (2015).
6- Van Blarigan, E.L. et al. Marine-3 Polyunsaturated Fatty Acid and Fish Intake after Colon Cancer Diagnosis and Survival: CALGB 89803 (Alliance). Cancer Epidemiol. Biomark.Prev. Publ.Am.Assoc. Cancer Res. Cosponsored Am. Soc. Prev. Oncol.27, 438-445 (2018).
7- TamaKoshi, A. et al. Characterisitics and prognosis of Japanese colorectal cancer patients: The Biobank Japan Project. J.Epidemiol. 27, S36-S42 (2017).
8-Meyehardt, J.A. et al. Association of dietary patterns with cancer recurrence and survival in patients with stage III colon cancer. JAMA 298, 754-764 (2007).
9-Song, M. et al. Fiber intake and Survival After Colorectal Cancer Diagnosis. JAMA.Oncol. 4, 71-79 (2018).
10-Kenfield, S.A. et al. Mediterranean diet and prostate cancer risk and mortality in the Health Profissionals Follow-up Study. Eu.Urol.65, 887-894 (2014).
12-Richam, E. L. et al. Fat intake after diagnosis and risk of lethal prostate cancer and all-cause mortality. JAMA inter. Med. 173, 1318-1326 (2013).
13-Khodarahmi, M., e Azadbakht, L. The Association Between Differen Kinds of Fat Intake and Breast Cancer Risk in Women. Int. J. Prev. Med. 5, 6-15 (2014).
11-Schwingshackl, L., Schwedhelm, C., Galbete, C., e Hoffman, G. Adherence to Mediterranean Diet and Risk of Cancer: Na Updated Systematic Review and Meta Analysis. Nutrients 9, (2017).
14-National Research Council (US) Committee on Diet and health. Dietary Intake and Nutritional Status: Trends and Assessment. Diet and Health: Implications for Reducing Chronic Disease Risk (National Academies Press (US), 1989)
15-Argilés, J.M., Busquets, S., Stemmler, B., e Lopez-Soriano, F.J. Cancer cachexia: understanding the molecular basis. Nat. Rev. Cancer14, 754-762 (2014).
16-Arends, J. et al. ESPEN expert group recommendations for action against cancer-related malnutrition. Clin. Nutr.Edinb.Scott.36, 1187-1196 (2017).
17- Ligibel, J.A. et al. American Society of Clinical Oncology Position Statement on Obesity and Cancer. J. Clin. Oncol. 32, 3568-3574 (2014).
18- Stanisavljevic, N.S., e Marisavljevic, D.Z. Weight and body composition changes during R-CHOP chemotherapy in patients with non-Hodgkin´s lymphoma and their impact on dose intensity and toxicity. J.BUON Off. J.Balk. Union Oncol. 15, 290-296 (2010).
19-Laviano, A., Lazarro, L.D., e Koverech, A. Nutrition support and clinical outcome in advanced cancer patients. Proc.Nutr. Soc.77, 388-393 (2018).
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Sou profundamente grata ao Dr. António Cordeiro por todo o apoio e dedicação que demonstrou ao longo do meu percurso oncológico. A sua orientação nutricional foi indispensável para o sucesso dos meus tratamentos, ajudando-me a enfrentar cada etapa com mais força e confiança. O seu profissionalismo e cuidado foram fundamentais para a minha recuperação, e por isso, agradeço de coração.😍